
Se virmos com atenção, o símbolo de Lisboa não faz dela apenas uma capital do passado, mas uma protagonista do Futuro, a «capital do Futuro», como deixou dito o Papa Francisco. Naquela nau que transporta, através do oceano, um estranho que nós acolhemos, mostrando que a nossa identidade não se constrói na lógica da exclusão e da indiferença ao outro, mas na abertura, na hospitalidade e no diálogo. Naqueles corvos que nos recordam que precisamos de uma visão mais ampla da criação e do ambiente, passando, como se diz na Laudato si’, de um antropocentrismo despótico a um verdadeiro espírito de aliança, tornando-nos todos aliados para o bem da nossa casa comum.
Naquela capacidade de guardar bem viva a memória de todas as injustiças, desigualdades e perseguições e de ter presente todas as formas de martírio. Naquela compreensão de que não basta viver, mas precisamos de tocar o clarão de um sentido pelo qual viver, está certamente o indeclinável apelo de uma estrada futurante a abraçar.
E em tudo isto, a responsabilidade específica desta hora: há 850 anos coube às mulheres e aos homens de então trasladar a herança de São Vicente e ativar assim o amplo património espiritual e social que ela testemunhava.
Essa tarefa cabe-nos a nós, chamados a ser, hoje e aqui, trasladadores de futuro.
Cardeal José Tolentino de Mendonça
Conclusão da conferência na Câmara Municipal de Lisboa, a 15 de setembro de 2023, na abertura do Ano Vicentino, comemorativo dos 850 anos da chegada das relíquias de S. Vicente a Lisboa.